Trabalhadores federais se posicionam em relação a mudanças no Código Florestal

Servidores públicos federais das áreas agrária, ambiental e cidades entregaram, nesta sexta-feira (28), documento sobre as mudanças propostas ao Código Florestal à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e ao presidente Comissão de Meio Ambiente do Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB/DF).

No documento, eles criticam as mudanças propostas no PL 30/2011, que tramita na Casa. “Avaliamos que o PL 30 despreza o diferencial representado pela biodiversidade brasileira, sua importância e ameaça a sua sobrevivência. Desta forma, põe por terra a pretensão do Brasil de tornar-se uma referência mundial em gestão de recursos ambientais e desvirtua os princípios norteadores das principais leis ambientais em vigor”, afirmam os técnicos e especialistas de órgãos como Embrapa, Ibama e Ministérios do Meio Ambiente e das Cidades, entre outros.

Mudanças no Código Florestal

Leia abaixo a íntegra do documento.

POSIÇÃO DOS TRABALHADORES PÚBLICOS FEDERAIS COM RELAÇÃO ÀS MUDANÇAS NO CÓDIGO FLORESTAL PROPOSTAS PELO PL 30/2011, EM DISCUSSÃO NO SENADO FEDERAL

Os trabalhadores públicos federais dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, das Cidades e do Meio Ambiente, do Ibama, do ICMBio, do Incra, da Embrapa, da Codevasf, da Emepa, da Emparn e da Pesagro, vêm por meio deste apresentar seu posicionamento diante das alterações no Código Florestal, que tramitam nessa Casa.

O Projeto de Lei – PL 30/2011 contém em sua proposta atual de mudança do Código Florestal, alguns itens que trarão perdas irreparáveis ao meio ambiente. Além de não conter, na prática, um tratamento diferenciado aos agricultores familiares, impondo uma dependência do pequeno agricultor em relação ao grande agronegócio no Brasil.

Há alguns aspectos do PL que são insatisfatórios para responder às demandas da sociedade brasileira por uma legislação ambiental coerente. Dentre os seus principais equívocos citamos:

A perpetuação da falsa dicotomia entre produção agrícola e preservação ambiental

O debate atual acerca das mudanças do Código Florestal tem reiterado um discurso calcado na dicotomia entre a produção agropecuária e a preservação ambiental. Meio ambiente e produção de alimentos são tratadas como questões antagônicas. Alertamos que esta polarização é artificial e falsa, construída e alimentada para beneficiar aqueles que vivem do lucro proveniente do agronegócio, em detrimento da conservação e do uso sustentável da biodiversidade.

Recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), intitulado “Agroecology and the right to food”, traz dados de projetos de agricultura ecológica de 57 países que trouxeram ganhos médios de 80 por cento nas safras, usando métodos naturais para enriquecer o solo e proteger contra pragas. O relatório ainda afirma que o modelo agrícola dominante, baseado nos desmatamentos, nas monoculturas e na utilização massiva de agrotóxicos, fertilizantes e outros insumos, “já demonstrou não ser a melhor opção no contexto atual”, pois acelera o processo de degradação ambiental.

Por isso, a legislação brasileira não pode retroceder, nem tampouco desconsiderar que os recursos naturais protegidos sob o Código Florestal, especialmente a água, são imprescindíveis às atividades produtivas em geral – não só as de agora, como as do futuro – e à manutenção da qualidade de vida de toda a população, seja urbana ou rural.

A não diferenciação entre agricultura familiar e agronegócio

A agricultura familiar com sua renda de cerca de R$ 54 bilhões/ano, há muito deixou de ser coadjuvante da economia nacional. Em 2006, o Censo Agropecuário do IBGE consolidou um quadro claro desse setor, com mais de 4,3 milhões de estabelecimentos – ocupando somente 24,3% da área agricultável – produz cerca de 70% dos alimentos consumidos no país, emprega 74,4% dos trabalhadores rurais e é responsável por mais de 38% da receita bruta da agropecuária brasileira.

Nos debates sobre as mudanças no Código Florestal a agricultura familiar foi empurrada para o centro da polêmica, pois, representantes do agronegócio propuseram alterações na legislação ambiental invocando o setor da agricultura familiar como a principal vítima das dificuldades de produção, supostamente advindas das regras de proteção ambiental.

Essa manobra é clara, por exemplo, quando o parágrafo 7º do artigo 13 propõe a isenção de reserva legal para propriedades de até quatro módulos fiscais, sem incluir a definição dada pela Lei da Agricultura Familiar 11.326/2006 (áreas de até quatro módulos fiscais, mão de obra familiar e renda advinda da atividade familiar na área).
O PL 30 não diferencia a agricultura familiar do agronegócio, pois, baseia-se apenas no tamanho da área e desconsidera o modo de produção. O agravante desta proposta é que incentiva o desmembramento de grandes propriedades a fim de acessarem o benefício. A mera expectativa de aprovação da atual proposta de Código Florestal, já levou à corrida aos cartórios.

Acreditamos que agricultura familiar e agronegócio devam ter tratamento diferenciado, de fato, no texto da legislação ambiental. A diferenciação se faz necessária devido ao modo de produção e ao impacto ambiental em ambas as formas de produção.

A anistia, na prática, para quem desmatou

Apesar do Código florestal (4.771) em vigor existir desde 1965, da Lei de Crimes Ambientais (9.605) desde 1998, e do seu primeiro decreto regulamentador (3.179) desde 1999, inexplicavelmente o PL 30/2011 estabelece a data de 2008 como “marco zero” para o cumprimento da Legislação (definição de área rural consolidada) anistiando os que desmataram antes.

O que é isso senão incentivo a quem desmata e desrespeita as regras estabelecidas. A simples expectativa de anistia já gerou um aumento do desmatamento. Entendemos que considerar o ano de 1999 para a definição de área rural consolidada seria o mais recomendável.

Entendemos também que os proprietários rurais devam ser incentivados a recuperar as APPs e Reservas Legais, aumentando a viabilidade produtiva em longo prazo e a qualidade ambiental, ao invés de simplesmente anistiá-los e legalizar as áreas desmatadas irregularmente.

Sobre a Reserva Legal

Em relação à reserva legal, consideramos temerária a proposta de compensação dentro do mesmo bioma, e não mais na mesma microbacia hidrográfica, como preceitua a legislação atual. Dentro de um mesmo bioma, especialmente os de ampla distribuição como Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, há grande diversidade de ambientes, de forma que a compensação de reserva legal não cumpriria sua função. A reserva legal deveria buscar sempre a maior similaridade ecológica possível, sendo, por isso, a microbacia a unidade geográfica mais apropriada.

Sobre as APPs

O PL 30 não demonstra preocupação com a garantia da função ecológica das APPs, que atende ao interesse coletivo, mas ao contrário, preocupa-se em regularizar situações individuais de descumprimento da Lei, ferindo os preceitos constitucionais da garantia de manutenção do meio ambiente equilibrado.

O artigo 8º abre a possibilidade para que praticamente qualquer atividade humana seja passível de autorização na APP, através das definições de “utilidade pública”, “interesse social” e “baixo impacto ambiental” descritas no artigo 3º, além da permissão de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e turismo rural e outras atividades a serem definidas pelos estados (Parágrafo 3º, Artigo 8º). Na prática, as APPs deixariam de merecer o nome de “Áreas de Preservação Permanente”, pois não garantiriam sequer a preservação da vegetação nativa e não teriam caráter permanente. Ainda, este artigo abre a possibilidade para que os estados regulamentem de forma distinta as atividades que podem ser desenvolvidas nas APPs, o que poderá significar a extinção dos corredores ecológicos de fauna e flora, o assoreamento de rios e outras conseqüências ambientais desastrosas não só para os estados menos preocupados com a conservação, mas também para os estados adjacentes a eles e que fazem parte da mesma bacia hidrográfica.

Com relação às APPs inseridas em áreas urbanas, o PL 30 permite a regularização fundiária em APP, tanto para baixa renda quanto para a população mais abastada. Sendo que para as populações de média e alta renda exclui de forma expressa a possibilidade de regularização em áreas de risco. Por sua vez, para a regularização fundiária por interesse social (população de baixa renda), o PL 30 remete a Lei 11.977/2009. O que permitirá que a avaliação e aprovação dos projetos de Regularização Fundiária de Interesse Social (população baixa renda) em APP sejam feitos “pelo município” (Secretaria de Obras, de Planejamento, ou outra qualquer). O que não envolverá, necessariamente, a participação do órgão ambiental. Isso é preocupante, uma vez que as APPs geralmente coincidem com áreas vulneráveis e de risco à ocupação, além de existirem por cumprir funções ambientais importantes em meio urbano, para proporcionar qualidade de vida adequada à população das cidades e evitando desastres como os que têm ocorrido em todo o país. A autorização para essas intervenções em APP devem ser feitas por equipe técnica qualificada e com atribuições para tal. A proposta constante no PL 30 precisa ser revista, uma vez que demonstra uma preocupação clara em garantir segurança, qualidade de vida e conforto ambiental apenas para populações com maior poder aquisitivo, em detrimento das populações de baixa renda, que vivem em assentamentos irregulares, degradantes e insalubres, onde a ocorrência de desastres é muito mais frequente.

Também consideramos essencial a reinserção de “dunas, cordões arenosos e manguezais”, bem como de “veredas”, como APPs, tendo em vista que são áreas ambientalmente sensíveis e que desempenham papéis de grande importância para a conservação dos recursos hídricos, e estabilização da costa brasileira. A exclusão de manguezais/apicuns como APPs é grave e fere frontalmente as recomendações do Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU), instância responsável por definir as diretrizes para a implementação da Convenção da Ramsar no Brasil. Este ecossistema, entendido como uma unidade funcional mangue-apicum, é mantenedor de serviços ambientais essenciais como qualidade de água estuarina e costeira, produção de recursos pesqueiros e proteção contra eventos climáticos e oceanográficos. Em especial na costa atlântica os manguezais são fundamentais como berçários para os recursos pesqueiros, e foram objeto de reivindicações de pescadores artesanais nas Conferências de Pesca e Meio Ambiente, ressaltando a existência de mais de 500 mil pescadores do Brasil que direta ou indiretamente dependem da manutenção deste ecossistema para sua segurança alimentar e renda. Estudo produzido pelo IBGE em 2010 revelou que as maiores concentrações de carbono no solo da Amazônia estão em áreas de mangue. Ainda, de acordo com a Recomendação nº1 da CNZU, a feição apicum (salgado ou planícies hipersalinas) é indissociável do ecossistema manguezal, pois possui papel fundamental no funcionamento dos ciclos biogeoquímicos deste ecossistema. Os benefícios gerados pela proteção dos manguezais sob a forma de APP estão estimados entre US$ 200 a 900 mil ao ano/km2.

As várzeas também devem ser consideradas APPs e, neste caso, sugerimos criar regulamento específico de uso, permitindo, de acordo com um zoneamento, alguns usos imprescindíveis a populações que não dispõem de outras áreas férteis ou propícias a determinados cultivos.

Conclusão

Avaliamos que o PL 30 despreza o diferencial representado pela biodiversidade brasileira, sua importância e ameaça a sua sobrevivência. Desta forma, põe por terra a pretensão do Brasil de tornar-se uma referência mundial em gestão de recursos ambientais e desvirtua os princípios norteadores das principais leis ambientais em vigor.
O PL 30 deveria incentivar novos modelos de produção agropecuária mais ambientalmente sustentáveis e socialmente justos.

É evidente no PL 30 o seu caráter de instrumento destinado a defender os interesses econômicos de uma parcela da população, em detrimento do direito difuso de toda a população brasileira a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” conforme reza o Art. 225 da Constituição Federal de 1988.

Fonte:Ecodebate

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