Povos indígenas protagonizam o debate sobre mudanças climáticas

Conhecimento tradicional milenar aliado à pesquisa científica. Participação decisiva em instâncias de debate, controle e decisão em políticas públicas. Construção coletiva de sabedoria com repercussão internacional. Formação de lideranças e divulgação de informações na base. Criação de plataformas referência em mudanças climáticas com participação direta dos envolvidos.

É neste sentido que o IPAM tem trabalhado em conjunto com os povos indígenas nos últimos anos, o que inclui atividades de formação que reuniram mais de 30 lideranças indígenas de localidades diversas da Amazônia, como Mato Grosso, Maranhão, Acre, Roraima, Rondônia e outros, até o apoio ao estabelecimento do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), a participação de destaque nas COP 21, em Paris, e 22, em Marrakech e o desenvolvimento do SOMAI e do aplicativo Alerta Clima Indígena, que envia informações sobre focos de calor, desmatamento e risco de seca para as Terras Indígenas da Amazônia brasileira.

“Nós não estávamos inseridos nesse espaço de levar os conhecimentos dos povos indígenas a contribuir com o científico. Agora eu vejo que as pessoas começaram a ter um outro olhar para a nossa vivência e nossa realidade”, afirma Sineia Wapichana, gestora ambiental do CIR (Conselho Indígena de Roraima) na Câmara Técnica de Mudanças Climáticas do Comitê Gestor da PNGATI (Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas).

Para Sineia, que participou de uma experiência pioneira de coleta de dados por mais de 3 anos com todas as faixa etárias do seu povo,  que resultou na publicação “A Transformação do Tempo”, os relatos dos indígenas casam perfeitamente com a pesquisa científica. “As pessoas foram registrando que, por exemplo, a temperatura da água do rio mudou, afetando a variedade de peixes e o canto de pássaros como o mutum, que servia de referência para várias atividades, agora está desordenado”, diz.

De fato, pesquisas mostram que uma TI homologada diminui de 20 a 30 vezes a chance de ocorrer desmatamento naquela área e que a temperatura do ar pode ser, em média, de 4°C a 6°C maior fora da TI do que no seu interior, impactando também a quantidade de chuva, como revelou estudo do IPAM feito na região do Parque Indígena do Xingu de 2002 a 2010.

Segundo Estevão Bororo, da TI Teresa Cristina, no Mato Grosso, um dos que participaram dos cursos de formação do IPAM e é membro do CIMC, disseminar esse conhecimento é fundamental. “Se as mudanças climáticas e o aquecimento global, uma questão planetária, são de responsabilidade de todos, precisamos globalizar nossa importância ambiental, mostrando o papel estratégico das terras indígenas e suas populações”, diz.

Nessa batalha, a tecnologia é uma ferramenta muito importante. “Principalmente na conscientização. Hoje o indígena está bastante conectado, e aplicativos e ferramentas ajudam muito, desde a combater os problemas na prática até a disseminar as informações para as bases”, acredita Bororo. “Isso indica que devemos seguir no caminho de integração entre ciência, tecnologia e conhecimento tradicional para combater as mudanças climáticas em todas as frentes”, afirma a coordenadora do núcleo indígena do IPAM, Fernanda Bortolotto.

Caravana em Brasília contra retrocessos

Na última semana, dezenas de indígenas de vários povos e regiões do Brasil estiveram em Brasília cumprindo uma agenda em defesa dos seus direitos. Na Advocacia Geral da União (AGU), em reunião com a ministra Grace Mendonça, os indígenas exigiram a revogação do parecer 001/2017, que serve de base para a tese do “marco temporal” e é uma clara violação à Constituição de 1988, que pode paralisar processos de demarcação de terras indígenas e anular demarcações já realizadas.

No Brasil, são 836 territórios não demarcados que esperam pelo poder público. Destas, 530 terras, o equivalente a 63,3%, não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos do Estado brasileiro. Apenas no estado do Amazonas, 199 terras estão nesta situação. Em seguida, vem o Mato Grosso do Sul (74), Rio Grande do Sul (37), Pará (29) e Rondônia (24). Durante o governo Temer, não houve nenhuma homologação de terra indígena.

Os dados são do relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil”, lançado na última quinta (05) pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI. O relatório mostra também que, em 2016, 118 indígenas foram assassinados no país, uma indicação do agravamento dos conflitos fundiários e socioambientais.

Ainda em Brasília, uma comitiva de lideranças indígenas da TI Raposa Serra do Sol e do Conselho Indígena de Roraima (CIR) entregou aos ministros do STF o dossiê “Raposa Serra do Sol: um projeto de vida para os povos indígenas da Amazônia e do Brasil”, que apresenta os avanços e conquistas após a homologação de um dos casos de demarcação e homologação mais simbólico já visto no Brasil.

Por fim, o “Seminário Nacional 5 anos da PNGATI: desafios e perspectivas para a implementação da política de gestão de terras indígenas”, realizado em 05 e 06 de outubro, refletiu sobre os avanços e gargalos da política e propôs possíveis soluções de acordo com o debatido pelos grupos de trabalho.  

FONTE:  IPAM  Amazônia      

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