Justiça ignora quilombolas e mantém certificação de extração de madeira

O Ministério Público Federal (MPF) no Pará está travando na Justiça uma disputa contra duas madeireiras por propaganda enganosa. O órgão considera que a Ebata e a Golf não poderiam usar o selo FSC (Forest Stewardship Council), que certifica produtos socioambientalmente sustentáveis, por retirarem madeira de uma floresta no oeste do estado ocupada há décadas por comunidades quilombolas. O certificado foi concedido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que se recusa a rever a decisão. As empresas não foram localizadas pela reportagem para comentar o processo. 

A Procuradoria da República em Santarém (PA) já havia solicitado, em liminar, a suspensão do certificado ambiental. O pedido, porém, foi negado em primeira instância. Agora, a procuradora Fabiana Schneider entrou com um agravo de instrumento [.pdf, 1,4MB], no Tribunal Regional Federal contra a decisão. A ação principal tramita na 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém, que ainda não julgou o mérito da ação. O recurso pede também a inclusão do Serviço Florestal Brasileiro na ação.

“O problema é que a gente está falando de um selo de qualidade que tem por obrigação – e ele é bem remunerado por isso – trazer uma informação correta e transparente para o consumidor”, afirma a procuradora. “Quem compra um produto certificado pelo FSC está pagando mais por um produto de origem socialmente correta”, completa. De acordo com ela, a certificação foi dada em uma área tradicionalmente ocupada por populações tradicionais, o que gerou conflitos que não têm sido tratados com a devida seriedade pelo Imaflora.

Conflitos

A madeira extraída é da Floresta Nacional Saracá-Taquera, que ocupa uma área de 441 mil hectares em três municípios do oeste do Pará (Faro, Terra Santa e Oriximiná). Em 2009, 48,8 mil hectares da área foram licitados para a concessão florestal. Três anos depois, em 2012, outros 93 mil hectares também foram leiloados à exploração madeireira. A concessão foi questionada na Justiça pelo Ministério Público Federal, que perdeu a ação.

O principal argumento apresentado era a presença de populações tradicionais no interior da área – entre elas, quilombolas que ainda buscam o reconhecimento. Nivaldo Oliveira de Jesus, de 49 anos, é descendente de negros que ocuparam a região. “Lá, onde tem a mineradora, era a roça dos meus avós”, lembra.

“O problema é que a reserva foi criada com nós dentro”, afirma o quilombola, que mora às margens do Rio Trombetas, na comunidade Acari, onde vivem mais de 40 famílias. Além da extração de madeira, existe também uma mineradora na região: “Eles fizeram o leilão para madeireira em cima das áreas que a gente ocupa. Está muito perto, uns 200 ou 300 metros. A briga é para que eles não destruam o território que a gente usa”, completa.

Para o Ministério Público Federal, essa proximidade afeta o modo de vida dos ribeirinhos. Entre os impactos estão obras que prejudicaram a navegabilidade de um rio usado para caça e pesca e poluiu a água que abastecia uma comunidade, além de degradar locais com valores simbólicos para as comunidades.

“A derrubada de árvores diretamente talvez não cause um impacto direto tão grande. O problema é que destrói biomas dos quais as comunidades dependem diretamente”, afirma a procuradora do MPF Fabiana Schneider.

Imaflora

A secretária-executiva do Imaflora, Laura Prada, afirma que as certificações das madeireiras Ebata e Golf estão mantidas porque “não conformidades” encontradas em avaliações do instituto têm sido resolvidas. Em duas ocasiões, no entanto, as soluções vieram depois de a certificação ter ser suspensa temporariamente pelo próprio instituto.

No ano passado, as empresas perderam o direito ao selo devido a falhas na gestão de conflitos com a comunidade. A certificação acabou sendo retomada após a criação de um comitê composto pelas madeireiras, representantes do Serviço Florestal Brasileiro, de trabalhadores rurais e comunidades.

“Atualmente, todos os problemas apontados inicialmente pelo Ministério Público já foram ou completamente solucionados ou encaminhados conjuntamente entre os representantes das comunidades e as empresas”, diz Laura Prada. “Por isso, o Imaflora manteve a certificação. O juiz responsável pelo caso também teve esse entendimento e negou a liminar do Ministério Público para a suspensão imediata do selo”, completa.

A secretária-executiva do Imaflora destaca que, embora sejam ferramentas de controle das questões sociais e ambientais, qualquer processo de certificação mantém margens de “não conformidades” que devem ser corrigidas ao longo do tempo. Segundo ela, é um “processo de melhoria contínua”. 

Laura chama a atenção também para a complexidade da situação da Flona Saracá-Taquera, uma concessão de floresta natural que exige um conhecimento técnico refinado, onde vivem comunidades tradicionais que usam concomitantemente a área. Para ela, conflitos eram esperados, mas precisam ser antecipados e resolvidos pelas empresas. “A gente não tem a expectativa de que, numa situação complexa como essa […] não existam conflitos, mas o que se julga é como eles são prevenidos ou são discutidos e resolvidos com as comunidades”, explica.

Entre as situações já resolvidas, ela cita a elaboração de um novo mapa do território usado pelas comunidades, que devem ser consideradas no plano de manejo das empresas.

Para o MPF, que entrou com a ação em 2014, as medidas adotadas pelo Imaflora e pela empresas ainda não são suficientes. A procuradora do MPF critica as auditorias realizadas na área, que, para ela, não se aprofundam o suficiente nos problemas enfrentados pelas comunidades.

“As equipes de auditoria vão até o local e ficam três ou quatro dia. São prazos muito pequenos para uma análise profunda e necessária para entender o contexto. A gente está falando de comunidades tradicionais, que têm uma cosmologia muito diferente da nossa, na nossa forma hegemônica de ser”, defenda a procuradora Fabiana Schneider. “Então, a compreensão dessa problemática, dessa cosmologia exige um aprofundamento muito maior do que essa maquiagem que o selo tenta passar”.

As fotos desta reportagem foram obtidas do relatório circunstanciado [.pdf, 5,4MB] elaborado a pedido do MPF.

Por Vandré Fonseca
Fonte: UOL

VER FOTOS E MAPAS EM: http://amazonia.org.br/

http://amazonia.org.br/2017/02/justica-ignora-quilombolas-e-mantem-certificacao-de-extracao-de-madeira/ 

VER MAIS EM:

http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-pede-suspensao-do-selo-fsc-concedido-pelo-imaflora-as-madeireiras-ebata-e-golf   

O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, recurso contra decisão da Justiça Federal em Santarém, no oeste do Pará, que negou a suspensão urgente de certificação socioambiental concedida a duas madeireiras em atuação na região. Para o MPF, é propaganda enganosa o uso, pelas madeireiras Ebata e Golf, do selo certificador do Forest Stewardship Council (FSC ou Conselho de Manejo Florestal, em português), já que as empresas não cumprem os critérios de sustentabilidade socioambiental exigidos pelo FSC.

PDF document icon Recurso_MPF_certificacao_FSC_Imaflora_Ebata_Golf.pdf — Documento PDF, 1.39 MB (1452842 bytes)

 

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