A Internacionalização da Amazônia: Meio Ambiente, Soberania e Cidadania, artigo de Sulema Mendes de Budin

Em apenas um ano, desde o envio do PL 4776/05 para a Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2005, a nomeação de Comissão Especial e a recomendação de “urgência”, a aprovação final pelo Senado e a publicação no Diário Oficial da União, no dia 30 de março de 2006, da Lei Ordinária 11.284/06, ficou instituída a legalização do loteamento das florestas públicas brasileiras, sob o título de “concessão para manejo sustentável”! Iniciativa do Poder Executivo, integralmente apoiada, sustentada e defendida pelo Ministério do Meio Ambiente e pessoalmente por sua Ministra, a ex seringueira que traiu suas origens por um cargo de segunda categoria, num governo corrupto e incompetente!

O Regulamento foi tratado como segredo de Estado. Não se teve acesso ao texto da minuta no site do MMA. Só veio a público com publicação no D.O. do Decreto 6063/07, no dia 20 de março do ano passado.

Muito diligente, a Sra. Ex-Ministra correu para o Rio de Janeiro negociar com o atual presidente do BNDES formas de financiamentos para as concessões (notícia veiculada no site ambientebrasil). Dinheiro público financiando a apropriação de patrimônio público, inclusive para as empresas estrangeiras concessionárias.

A licitação foi concluída e duas empresas já podem começar a derrubar as árvores da floresta do Jamari, em Rondônia (salvo engano, pelo menos uma é estrangeira) além de “manejar” outros produtos e serviços da floresta. São 90.000 hectares, numa área total de 220.000 hectares de floresta nativa.

O povo brasileiro não foi informado do leilão que estão fazendo com o seu patrimônio, nem dos riscos para a soberania, na medida que empresas estrangeiras podem obter as áreas, desde que constituídas no Brasil (todas as multinacionais o são, além das ONGs internacionais). Vem de longe, do final do Século XIX, as tentativas de ocupação da Amazônia. Estamos vivendo uma nova história do Acre, à moda do século XXI, com a legalização da grilagem e a ocupação das florestas públicas do país, sob a rubrica de “concessão para manejo sustentável”.

Ninguém até hoje respondeu quando pergunto em quais países deram certo as tentativas de manejo sustentável das florestas nativas. O Dr. Azis Ab’ Saber, pesquisador reconhecido internacionalmente e presidente de honra da SBPC afirma que a conseqüência foi o desaparecimento irreversível das florestas nativas na Austrália, na Indonésia e na África Equatorial.

E afinal, o que está sendo concedido, se ninguém sabe exatamente o que existe na Floresta Amazônica (e nas demais) e sob ela? Os pesquisadores brasileiros não sabem, porque são impedidos de ter acesso às áreas de pesquisa de estrangeiros, e isso não é boato de Internet. Já nos roubaram a borracha. Nem vamos saber o que estarão roubando agora. O princípio da concessão é o mesmo, mas a situação de fato é bem diferente das concessões de serviços públicos, cujo patrimônio é vistoriado, discriminado e incluído nos contratos.

Essa Lei Ordinária de nº 11.284/06, “ordinária” desde a elaboração, a redação do projeto e a forma como foi conduzido o processo legislativo é caso para o MP, se é que ainda se pode esperar alguma seriedade do Judiciário (STF) que vai julgar a sua constitucionalidade.

Alguns artigos da Lei 11.284 valem como ilustração. O prazo máximo das concessões é de 40 anos (art. 35); a competência para autorizar e licenciar as “concessões” pode ser delegada para os Estados e Municípios (art. 69); as concessões podem ser feitas para atividades “potencialmente causadoras de significativa degradação” (art. 18 § 1º); a reserva absoluta foi reduzida a apenas 5% das áreas (art. 32). E entre as garantias aceitas nos processos de licitação estão “os títulos da dívida pública” (art. 21, II).

A generalidade e a redação confusa da Lei ao definir “manejo sustentável”, “produtos florestais” e “serviços florestais” (art. 3º, III, IV, VI) abre espaço para “interpretações” que podem incluir tudo o que existe ou pode ser produzido e objeto de “serviços” nas florestas. Muito conveniente para os interessados na biodiversidade, no corte e transporte ilegal de madeira, nos minérios (inclusive os radioativos) no uso da floresta para plantação, refino, armazenagem de drogas e via de transporte para o narcotráfico, armas etc. Estes “serviços” constituem crimes previstos em lei, e o subsolo não está incluído nas concessões, por impedimento constitucional. Mas quem vai até lá para monitorar? E como entrar nas áreas concedidas sem ordem judicial, se o cessionário não permitir?

A Ilustre ex Ministra Marina veio a público declarar que a Amazônia não está a venda! Está “à concessão”, por até 40 anos. Ela nunca ouviu falar em direitos de posse previstos pelo Código Civil.

Estão pisando em cima da memória dos brasileiros que morreram defendendo o Acre, contra as “negociações” do então Presidente. A diferença é que a imprensa da época, apesar de contar apenas com o Código Morse do Correio, com os navios e o lombo de cavalos tornou públicos os fatos. E os brasileiros de todo o país foram para as ruas, em defesa do seu território. Hoje as emissoras de TV mandam seus jornalistas para a Índia acompanharem cerimônias religiosas, usam o horário nobre sem reservas para o futebol e só se ocupam de noticiar as tragédias em foco. Os direitos de cidadania, a soberania do país não são notícia!

O povo precisa saber que criaram condições para legalizar a grilagem, para lotear um patrimônio público inestimável e para facilitar a internacionalização da Amazônia. Está mais do que na hora dos brasileiros acordarem e se reunirem em torno de uma causa justa: a defesa do território e da soberania nacional.

Nota. Até esta data, 09/11/2011, não se tem notícias de monitoramento, nem de fiscalização dessa “concessão”, nem das outras que forma feitas na surdina, sem qualquer divulgação, nem nos sites do MMA, nem do Serviço Florestal, criado pela Lei. E o desmatamento continua acelerado: 253,8 km² em setembro deste ano (dados do Sistema DETER/INPE, publicados em o Ecodebate de 1º/11/2011 – Fonte: INPE). Isso sem considerar a supressão de vegetação que já começou em Belo Monte

Sulema Mendes de Budin é Ambientalista, Advogada e Consultora em Meio Ambiente.

Fonte: Ecodebate

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